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STJ limita multa por descumprimento de ordem judicial ao valor da obrigação principal do contrato descumprido

Em recente julgamento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, limitar o valor da multa cominatória (astreinte) ao montante correspondente à obrigação principal, em casos de manifesta desproporcionalidade. O entendimento foi fixado em recurso especial interposto pela empresa Raízen Combustíveis, que contestava penalidade imposta por descumprimento de ordem judicial referente à desocupação e reparação ambiental de imóvel destinado ao comércio de combustíveis.

A controvérsia teve origem em ação ajuizada por particulares, proprietários de um imóvel alugado à Raízen. Eles pleiteavam a retirada de equipamentos e a reparação dos danos ambientais causados pela atividade comercial exercida no local. A sentença, proferida em 19 de janeiro de 2003, acolheu integralmente os pedidos, mas a ordem judicial só foi efetivamente cumprida em 8 de maio de 2009 – um atraso de 2.302 dias.

Durante esse período, os proprietários ficaram impedidos de explorar economicamente o bem. Como penalidade, foi imposta multa diária, que alcançou o patamar de R$ 23 milhões. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) reduziu esse valor para R$ 5 milhões, mas a empresa recorreu ao STJ, sustentando a desproporcionalidade da quantia.

A Raízen argumentou que o valor da multa superava em mais de seis vezes o valor do imóvel e ultrapassava os danos efetivos a serem indenizados, o que configuraria violação aos princípios da razoabilidade e da função coercitiva da multa.

Relator do recurso, o ministro João Otávio de Noronha reconheceu a possibilidade de reavaliação do valor das astreintes, especialmente quando se mostrarem desarrazoadas. Segundo o ministro, embora a multa tenha natureza coercitiva e não compensatória, “não é razoável que seu valor ultrapasse o da obrigação principal, sob pena de enriquecimento sem causa”.

Noronha enfatizou que a jurisprudência do STJ admite, em hipóteses excepcionais, a fixação de um teto para a multa cominatória, de modo a manter a proporcionalidade com a obrigação imposta. No caso concreto, o relator determinou que o valor das astreintes não poderá exceder o montante dos danos materiais apurados, equivalentes ao valor locatício do imóvel durante o período de inutilização.

A decisão da 4ª Turma ocorre um dia antes de a Corte Especial do STJ ter firmado entendimento mais restritivo quanto à possibilidade de revisão retroativa das astreintes. Na ocasião, por maioria, o colegiado entendeu que a multa por descumprimento só pode ser modificada em relação aos valores futuros, ou seja, os valores já acumulados e devidos até a data da decisão permanecem inalterados.

Importante destacar que os ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti e Antônio Carlos Ferreira, que compõem a 4ª Turma, divergiram do entendimento majoritário da Corte Especial, reafirmando sua posição de que a revisão deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, independentemente do momento da incidência da multa. Essa posição já havia sido adotada anteriormente em julgamento da própria Corte Especial em 2021, que reconheceu a possibilidade de revisão das astreintes a qualquer tempo, inclusive com exclusão da penalidade, se caracterizado o excesso.

A 4ª Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente e deu parcial provimento ao recurso especial da Raízen, limitando o valor das astreintes ao valor da obrigação principal fixada na sentença. Já o recurso interposto pelos autores da ação, que buscavam a manutenção da multa no valor original de R$ 23 milhões, foi parcialmente conhecido e desprovido.

A decisão do STJ de vincular o limite da sanção dada à parte por descumprimento de ordem judicial ao valor do contrato discutido na ação — que, à rigor, são questões não relacionadas — pode acabar por fragilizar a efetividade das decisões judiciais ao tornar o descumprimento da decisão mais interessante financeiramente do que o atendimento à ordem.

REsp 1.604.753

Com base em matéria publicada pelo Conjur em https://www.conjur.com.br/2025-mai-19/stj-limita-valor-da-multa-por-descumprimento-ao-da-obrigacao-principal/