Instrumentos distintos - Dispensa do contrato em licitação favorece fraude?
Os certames licitatórios públicos são sempre cercados de atenção.
Afinal, o gasto com o erário tem de ser feito com cautela e
responsabilidade. Inicialmente, é importante ressaltar que as
Licitações e os Contratos são institutos distintos, embora regulados
pelo mesmo diploma. A distinção não impede, porém, que sejam
institutos complementares um do outro.
A Lei Federal 8.666/93 regula os procedimentos licitatórios e os
instrumentos contratuais. Após um certame realizado, a formalização do
seu resultado, feita a sua homologação, é caracterizada pela
assinatura de um instrumento contratual. É da assinatura do
instrumento que se inicia a contagem da validade de um ano daquele
contrato, a se prorrogar caso o serviço contratado seja de caráter
continuado, na forma do artigo 57, II, do diploma supracitado.
Entretanto, o que este artigo busca analisar é a moralidade da
aplicação da regra insculpida no artigo 62 da Lei de Licitações e
Contratos. Tal comando autoriza a dispensa do instrumento contratual
em alguns casos. Assim dispõe o mencionado artigo, in verbis:
“Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de
concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e
inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas
duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a
Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais
como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra
ou ordem de execução de serviço”.
Em outras palavras, o instrumento contratual só é exigido nas
licitações nas modalidades concorrência ou tomada de preços, bem como
nas dispensas e inexigibilidades cujos preços compreendam os valores
das duas modalidades citadas.
Nos casos de compras abaixo de R$ 8 mil; licitações na modalidade
convite; dispensas e inexigibilidades cujos valores não estejam
compreendidos entre os das modalidades tomada de preços e
concorrência; e “compra com entrega imediata e integral dos bens
adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive
assistência técnica (artigo 62, § 4º)”, o instrumento de contrato é
dispensável, sendo necessária a sua substituição por “outros
instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de
despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço (artigo
62, caput)”.
Importante ressaltar, contudo, que a Lei de Licitações e Contratos é
extremamente genérica ao versar sobre a substituição do instrumento
contratual. Isto porque, apesar de listar um rol de possíveis
substitutos, dispõe como a primeira opção o termo “outros instrumentos
hábeis”. O resto é mera sugestão.
A intenção do legislador em dispensar o instrumento contratual, a fim
de evitar a burocracia do serviço público, criou uma faca de dois
gumes. De um lado, os procedimentos licitatórios e as contratações
diretas por dispensa, inexigibilidade ou em razão do valor são
realizadas de maneira célere. Do outro, permite que se trilhe um
caminho para a consagração de atos fraudulentos.
A redação do instrumento contratual segue a regra do artigo 55 da Lei
Federal 8.666/93. Além das cláusulas estipuladas em lei, o contrato
apresenta as partes que formalizam aquela avença, o que parece sem
importância, porém dá clareza e publicidade. O nome da partes, suas
inscrições no CNPJ, os respectivos endereços das suas sedes, seus
representantes, as pessoas que assinam o contrato, que são
responsáveis diretos por cada parte (poder público e empresa privada,
por exemplo), o número do processo administrativo que gerou aquele
certame, o fundamento legal para a contratação, enfim, são itens que
não podem faltar em hipótese alguma.
A omissão desse rol de dados acima descritos, sendo substituídos, por
exemplo, por uma simples nota fiscal, não pode ser admitida com
seriedade por qualquer poder público. A possibilidade de fraude nesses
casos é grande, e o maior problema é o “mal” e o “mau” uso do erário.
Pode-se argumentar que, em que pese a ausência de instrumento
contratual em um procedimento administrativo, os próprios autos podem
ser interpretados como um grande instrumento contratual, tendo em
vista nele constar as partes, dados completos do contratante e do
contratado e demais informações úteis.
Mas, partindo desse ponto de vista, se não é necessário instrumento
contratual, porque é necessário edital de licitação na modalidade
Convite, por exemplo? O edital do certame trata apenas e tão somente
das regras para a realização do procedimento licitatório.
E quanto às regras do contrato? Há que se distinguir licitação de
contrato. A Lei Federal 8.666/93 distingue com clareza os dois
institutos. O certame é célere, realizado em poucos meses. O contrato
é duradouro, se o objeto for serviço de caráter continuado então, seu
prazo se estende a perder de vista. A ausência de um instrumento
resulta em um contrato que não tem regras, como, por exemplo, forma de
pagamento, condições de garantia, obrigações da contratante, e até
regras de praxe, como o foro de eleição.
Independentemente de amparo legal, o instrumento contratual deveria
ser adotado por toda a administração pública, vez que, apesar de sua
dispensa ser autorizada, a sua presença não é, e nem será, proibida.
Revista Consultor Jurídico